CINEMA ENTRE RIOS
Documentário registra uma revisão histórica de uma expedição realizada em 1931 no interior de Mato Grosso que resultou em um longa-metragem. Quase um século depois, uma nova equipe ressignifica s obts.
Um rio entre o cinema. “Mato Grosso - The Great Brazillian Wilderness” (1931) foi o primeiro documentário gravado com áudio no mundo e até hoje ecoa perante a exploração e colonização territorial. Conhecido mundialmente pela sua potência no agronegócio, o estado foi um dos berços do cinema mundial. Rios e mais rios foram palco da ousada aposta de uma equipe hollywoodiana em gravar na chamada “amazônia” uma ficção com roteiro, desistindo e fazendo assim um documentário ou uma outra ficção? O filme de busca contará a história a partir do trajeto percorrido pela equipe original e mostra o hiato de transfiguração das locações do primeiro filme e no modo “cinema”, tanto tecnológica quanto política .

Direção: Andrya Kiga, Aleh Hoirureu, Kiga Boe
Administrativo: Patricia Ribeiro
Pesquisa: Mario Friedlander
Tradução: Iasmin Alvarez
Apoio : University of Pennsylvania Museum of Archaeology & Anthropology
Katherine Pourshariati
Projeto selecionado no 4º ICUMAM LAB
Laboratório De Fomento À Produção Audiovisual No Centro-oeste
Consultoria:
Beth Formaggini
Fernanda De Capua
Mariana Brasil
Paula Knudsen
Rafael Sampaio
Thiago Dottori
Registro na Biblioteca Nacional: Nº 717.089 - Livro 1.387 - Folha 96
(19 de setembro de 2016)
O Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia, conhecido como Museu Penn, que além de conter o acervo do filme, foi responsável pela sua restauração, declara que o “Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness” é muito insensível, e informam que o filme “dá uma interpretação errônea culturalmente preconceituosa, e etnocêntrica da cultura bororo”, segundo Kate Pourshariati, arquivista do Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia.
O filme narra a longa expedição, que tem seu auge na chegada a uma comunidade indigena, onde os norte-americanos são “recebidos” e resolvem organizar uma caçada a animais locais, como uma onça, felino de enorme importância nos ritos funerários Bororo.
O resultado é uma grande exploração chamada de expedição, reunindo um grupo de cineastas de Hollywood com câmeras de última geração. Cientistas da Universidade da Pensilvânia, caçadores ligados ao The Explorers Club de Nova Iorque, e o artista e aventureiro russo Vladimir Perfilieff, que pensava ser o protagonista. O principal objetivo, como noticiou o jornal New York Times na época, era a realização de um filme que tinha como escopo a “estória de um homem solitário vivendo na selva, mostrando sua rotina e os perigos que enfrentava".
A nova tecnologia utilizada para captação de áudio, possibilitou o registro de sons simultâneos às imagens. Graças aos boletins radiofônicos em tempo real que o New York Times levava ao ar todo sábado à noite a palavra "Mato Grosso", com seus relatos do diário de bordo da expedição. Os cineastas que integraram a equipe traziam das duas câmeras existentes no mundo, a “Mitchell Camera”, que de acordo com Kate Pourshariati, provavelmente pela primeira vez na história, foi gravado um documentário em campo imagem e som simultâneos, de forma sincronizada. O que seria um longa metragem ficcional acabou virando uma documentação geográfica e factual da colonização em sua pura essência.
Ao desbravar não apenas cinematograficamente, a realização de um filme de ficção, primeiramente programado, cai e acabam mudando de planos. Decidem então, realizar um documentário evidenciando a vida dos indígenas, mesmo que em preto e branco, a esbelta natureza encontrada e o passe para matar, capturar e exportar algumas espécies nativas.
Na bagagem, equipamentos de rádio de última geração, que permitiam aos exploradores manter contato com uma estação internacional em Pittsburgh, EUA.
Conforme artigos da Penn Museum Expedition de Eleanor King (1993) e do Penn Museum Archivist, Alessandro Pezzati (2002) em quatorze meses entre outubro de 1930 e dezembro de 1931, milhões de cidadãos dos Estados Unidos da América, ouviram as palavras “Mato Grosso, Brasil” várias vezes por semana, mesmo que poucos sequer pudessem pronunciar ou apontar onde fica no mapa. Eles sabiam que um grupo de ricos aventureiros e grandes caçadores com conexões ao The Explorers Club, um clube de exploradores em Nova York, produtores cinematográficos de Hollywood com câmeras ‘talkie’ de ponta, e dois cientistas da Universidade da Pensilvânia, liderados pelo aventureiro e artista Vladimir Perfilieff, e ainda pela lenda da selva Alexander “Sasha” Siemel, da Letônia, estavam no Brasil em uma expedição de um ano; o New York Times estava recebendo, publicando e distribuindo despachos exclusivos em rádio de ondas curtas direto da “selva”; e, todo sábado podiam sintonizar a rádio e ainda transmitir mensagens aos membros da equipe em tempo real na KDKA, uma estação de rádio AM, de propriedade e operada pela Audacy, Inc. em Pittsburgh, Pensilvânia.
A desistência dos dois diretores em gravar uma ficção em Mato Grosso culminou na pauta dessas transmissões. O novo, o belo e selvagem era relatado com sensacionalismo tal como publicitário. Era anunciado frases como: “Exploradores se aproximando e estudando a selva” e “a fala e a música dos habitantes humanos da selva serão estudadas com a ajuda de novos aparelhos para exploração” e tendo a construção de um diálogo entre as duas Américas.
Em 2021, noventa anos depois das gravações, o filme recebe uma carta resposta realizada através também de um documentário: “Cinema Entre Rios”. As gravações se concentraram na Aldeia Meruri e tem a direção de Andrya Kiga, Alê Hoirureu, Kiga Bóe e o “Coletivo LGBTQIA+ Brenda”, concebido por um grupo de nove indígenas LGBTQIA+ pertencentes a várias aldeias do povo Boé do estado, e que se formou em inspiração ao grupo de dançarinas de funk “Bonde das Maravilhas”.
Por Íris Alves Lacerda